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Comunicar ciência

Um blogue sobre comunicação de ciência em linguagem clara (antigo "Estrada para Damasco")

Sabe o que é um Biobanco? E que este pode salvar vidas?

28.11.19 | Cristina Nobre Soares

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O Filipe Carralves, licenciado em Bioquímica e  com mestrado em Ciências Biofarmacêuticas, frequentou a 2ª edição do curso "Comunicar Ciência Clara". E, no seu trabalho final, quis explicar-nos o que é um Biobanco.


Todos os anos o cancro mata milhões de pessoas. Mas sabia que existem biobancos e que estes podem salvar vidas? Comecemos por perceber o que é um biobanco. Imagine um banco, no qual, em vez de se guardar dinheiro, guardam-se amostras biológicas da população (sangue, tumores e saliva), incluindo de dadores saudáveis, para fins de pesquisa médica. Ou seja, uma pessoa comum e saudável, como o leitor, pode participar nesta iniciativa e ajudar os cientistas a descobrir novos métodos para curar ou prevenir esta doença.

Para tal, basta deslocar-se ao Hospital de Santa Maria, em Lisboa, por exemplo e assinar os documentos a autorizar que lhe façam a colheita. Depois, a equipa de técnicos do biobanco faz a recolha destas amostras. Após a colheita do material biológico, a equipa insere os respetivos dados e armazena-os consoante a sua origem.

O nosso corpo é formado por células que têm diferentes funções, tal como as abelhas numa colmeia. Mas, a dada altura podem ficar descontroladas e, quando isso acontece, forma-se um tumor. Para além da recolha destas amostras de que falei acima, no biobanco também se faz o controlo de qualidade do ADN (ácido desoxirribonucleico). Assim, como prevenção, os técnicos podem ler o código do nosso ADN procurando, mutações (informações erradas) que eventualmente possam resultar em cancro. Todas estas amostras biológicas ficam congeladas e vivas, podendo durar vários anos assim.

O seu contributo é verdadeiramente valioso. Por essa razão, o biobanco assegura a proteção dos seus dados. Lembre-se que o seu material biológico pode ser aplicado no diagnóstico de doenças de amigos e familiares. E pode fazer a diferença num espaço que guarda o futuro da sua saúde e dos próximos.

 

Fio Narrativo

27.11.19 | Cristina Nobre Soares

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"Tem-se comumente observado que alguns monarcas em estado de viuvez apresentam alguma propensão para casar com indivíduos do sexo feminino portadores de distúrbios narcísicos, os quais, com elevada frequência, afectam a socialização com enteados. Em Grimm & Grimm (1822) são observados alguns desses comportamentos, que podem ser considerados, segundo estes autores, como patologia extrema, especialmente os relacionados com o enviesamento do reflexo da sua própria imagem.
Neste trabalho foi observado que o convívio com um número primo de indivíduos portadores de nanismo pode, por si só, constituir uma terapia provisória para os enteados rejeitados. Igualmente, observou-se que o consumo de certas variedades de pomóideas submetidas previamente a manipulação química, pode induzir estados narcolépticos, os quais apenas passíveis de serem quebrados através de troca de fluidos salivares entre um individuo de sexo masculino e outro do sexo feminino."

 

Se a história da Branca de Neve fosse escrita em forma de abstract seria mais ou menos assim. Este é um exemplo que mostro nas minhas formações, brincando com a linguagem "dos pares".

Mas mesmo mudando a linguagem de modo a que ficasse mais clara, sem jargão e menos formal, falta aqui uma coisa muito importante: o fio narrativo. Sem este, não há história, apenas uma lista de asséptica de factos, chata de morrer. E não, nem sempre os factos falam por si. Aliás, se o fizessem de forma infalível, provavelmente não haveria fakenews.

O fio narrativo, a história, é uma peça imprescindível na comunicação de ciência. É esse fio que há milhares de anos liga narradores e ouvintes, evitando os becos sem saída de uma comunicação que não se faz para todos e guiando-nos pelos labirintos daquilo que achamos que "não é para nós". Tal e qual  um fio de Ariadne.

 

 

Um caule que é uma folha e uma folha que é um espinho

24.11.19 | Cristina Nobre Soares

 

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Se há coisa que me faz lembrar o Natal da minha infância são jarras ornamentadas com gilbardeira (Ruscus aculeatus). E penso que não seja só a mim que isto acontece, pois, à conta das suas bagas vermelhas e das suas folhas que terminam em espinho, tornou-se numa espécie de “azevinho dos pobres”.

O engraçado é que as tais folhas que acabam em espinho não são folhas mas sim um tipo especial de caules, os cladódios. Estes são achatados (daí parecerem uma folha), fazem a fotossíntese e tudo e resultam de um processo de evolução para garantir que a planta não perca água preciosa para a sua sobrevivência. As folhas, nesta plantas, são o "espinho" na ponta (ápice) do cladódio.

Da próxima vez que comprarem gilbardeira na praça ou na florista reparem que as bagas vermelhas “saem” diretamente da tal  “folha”. Ou seja, do caule. Mas, seja do caule ou folha, não deixa de ser um planta bem bonita e que, quanto a mim,  em nada fica atrás da beleza do azevinho.

  

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Breve História de Quase Tudo

21.11.19 | Cristina Nobre Soares

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"Bem-vindo. E parabéns. Ainda bem que chegou até aqui. Não foi fácil, eu sei. Para dizer a verdade, suspeito mesmo que terá sido um pouco mais difícil do que pensa.

Em primeiro lugar, para que o leitor esteja aqui agora, foi preciso que biliões de átomos errantes tenham conseguido juntar-se, numa dança intricada e misteriosamente coordenada, de forma a criá-lo a si. Trata-se de uma combinação tão única e especializada que nunca foi feita antes, e só vai existir desta vez."

É assim que Bill Bryson começa este livro maravilhoso. Do Big Bang, passando por Darwin, Einstein, os Curie,  Bryson leva-nos, através de histórias contadas numa linguagem impecavelmente clara (nem se notam as 494 páginas), ao longo desta viagem pelo tempo-espaço que nos trouxe até aqui.

Já não me lembro quem me recomendou este livro, mas, foi sem dúvida um feliz encontro e é um dos exemplos de divulgação científica que dou sempre nesta minha jornada pela comunicação clara de ciência.

A ler.

 

 

Acredita se alguém lhe disser que sem insetos não tinha alguns alimentos?

18.11.19 | Cristina Nobre Soares

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O Gonçalo Duarte foi aluno da segunda edição do curso “Comunicar Ciência Clara”, que decorreu no Instituto Superior de Agronomia. O Gonçalo é doutorando de Engenharia Agronómica no Instituto Superior de Agronomia. Tinha como desafio, tal como os restantes alunos, escrever um texto de divulgação cientifica com cerca de 400 palavras e escolheu este tema:

 

Acredita se alguém lhe disser que sem insetos não tinha alguns alimentos?

Apesar de muitas pessoas os considerarem incómodos e até repugnantes, os insetos são muito importantes para o equilíbrio do nosso planeta. E todos nós dependemos da sua atividade.

Há imensos insetos no mundo. Cerca de 75% das espécies de animais existentes no planeta são insetos e estão sempre a ser descobertas novas espécies.

Ao longo de milhões de anos, os insetos adaptaram-se a ambientes muito variados, sendo até possível encontrá-los em lugares tão hostis como a Antártida. Esta enorme capacidade de adaptação e diversificação faz com que existam espécies para todas as funções e isso é excelente para o Homem.


Um exemplo disto foi quando os europeus chegaram à Austrália e levaram animais de quinta, incluindo vacas. A quantidade de fezes que estas produziam tornou-se um problema. É que antes da chegada dos europeus, não existiam na Austrália animais ruminantes (vacas, cabras e ovelhas) nativos e, portanto, nenhum inseto australiano conseguia decompor estas “novas” fezes.

Para resolver este problema, os europeus trouxeram os escaravelhos-bosteiros de África e Europa. Estes insetos recolhem as fezes de ruminantes e formam bolas, do tamanho de bolas de ténis, que as fêmeas usam para alimentar a descendência. A atividade dos bosteiros permite que as fezes sejam distribuídas e incorporadas no solo, enriquecendo-o.


Os insetos são também fundamentais para a quantidade e qualidade dos produtos agrícolas.

O tomate que todos comemos em saladas é, habitualmente, produzido em estufas. Para que a planta produza muitos tomates e estes tenham bom aspeto, é preciso que sejam bem polinizados (que o pólen da parte masculina da flor seja colocado na parte feminina). 

Antigamente, o tomate era polinizado à mão, agitando as flores com vibradores manuais. Desde os anos 90 que algumas empresas produzem e vendem colmeias de abelhões (aqueles peludos, amarelos e pretos), para polinizar o tomate. Acontece que os abelhões são dos poucos insetos que gostam de visitar as flores de tomate. E, ao contrário das abelhas do mel, não se tornam agressivos com o calor nas estufas.

 

Os decompositores e polinizadores são fundamentais, mas existe ainda outro serviço muito importante que os insetos prestam aos agricultores: ajudarem a controlar as pragas das culturas.

Apesar de não repararmos nisso, o mundo dos insetos é muito pouco pacífico. Muitos insetos são predadores (comem outros animais) e, muitas vezes, comem pragas que causam estragos às plantas cultivadas pelo Homem. É o caso das joaninhas que vemos no jardim, mas não notamos que estão a devorar sem qualquer piedade os “piolhos” das roseiras. Existem ainda outros insetos, os parasitóides, cujas fêmeas põem os ovos no interior de outros insetos vivos. As suas crias desenvolvem-se no interior deste matando a vítima.

 

Estes são alguns do serviços que os insetos prestam à agricultura. Sem eles seria muito mais difícil, senão mesmo impossível, ter certos alimentos no nosso prato. Agora, quando vir aquele bicho “esquisito” no jardim, observe-o de perto. Olhe que ele pode estar a trabalhar para si."

 

imagem: https://www.sciencenews.org/

As cores do Outono

15.11.19 | Cristina Nobre Soares

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Toda a gente sabe que no Outono as folhas tornam-se castanhas, amarelas ou vermelhas. Mas, e se vos dissessem que as folhas não se “tornam” castanhas, amarelas ou vermelhas, pois sempre o foram?

A cor verde das folhas das árvores é dada por um pigmento, a clorofila. Este pigmento é responsável pela fotossíntese, processo através do qual as plantas se “alimentam”. Mas as folhas também têm outros pigmentos como os carotenos e as xantofilas (amarelos ou laranjas) ou as betacianinas (vermelhos).

O que acontece é que à medida que o Outono se aproxima e os dias vão ficando mais pequenos as árvores deixam cair a folha (caducifólias), uma estratégia para sobreviverem ao Inverno. A clorofila começa então a desaparecer, dando espaço para que os outros pigmentos, que já lá estavam, se revelem, e o Outono ganha as cores que tão bem conhecemos.

No fundo, as árvores não são muito diferentes das pessoas. Enquanto somos jovens, os pigmentos “mais viçosos”, aqueles que associamos à frondosidade da beleza (os verdes), são os que têm protagonismo. Mas o passar do tempo revela os outros, talvez menos perceptíveis, que sempre fizeram parte de nós mas que nos dão outras cores e outro tipo de beleza na meia-idade (o nosso Outono).

Isto é matemática

14.11.19 | Cristina Nobre Soares

 

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Há uns anos, tive o prazer de ter o Rogério Martins, como aluno, num workshop de escrita criativa que dei a convite do Movimento Desconstrói.

Já seguia o trabalho dele no “Isto é Matemática”, um programa que mostrava que a matemática não é esse bicho-de-sete-cabeças que tanto fazemos dela, que é bonita e  está em todo o lado, mesmo nos sítios mais inesperados. Fugir dela é um erro, pois faz parte da nossa vida e, por isso, só temos a ganhar ao conhecê-la melhor.

Depois do programa vieram os espetáculos ao vivo e o livro ( em co-autoria com o Tiago Dacunha Caetano). E tudo explicado de uma forma bem-disposta e clara. Para todos.

Dêem um saltinho ao website (http://istoematematica.com/). Vão gostar.

 

 

 

 

Comunico para partilhar aquilo que sei ou para mostrar que sou especialista?

12.11.19 | Cristina Nobre Soares

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- Mas, ao simplificar muito, não corremos o risco de acharem “Afinal, o trabalho deste fulano é uma treta tão simples, que até eu fazia”,  e, dessa maneira, desvalorizarem o nosso trabalho? Perguntou-me, uma vez, um aluno, num dos cursos “Comunicar Ciência Clara”.

Respondi-lhe que não. Primeiro, o risco de não darem valor ao que fazemos é, infelizmente, demasiado comum. Eu, por exemplo, sofro frequentemente daquilo que eu chamo síndrome “Quem és tu, Zé Gato?”, dado que não sou propriamente um nome conhecido na praça. Duvido que haja algum decassílabo que me safe desta cruz.

Segundo, este risco, partindo do principio que não estamos a comunicar de uma forma simplista e descuidada, dificilmente será por causa da linguagem simples que usamos. Insisto nesta questão do descuidado, pois caímos no erro de pensar que falar de uma forma clara é falar à balda. Não é. Falar à balda é falar mal. Ser claro é apenas isso: ser claro. E  talvez até seja mesmo mais credível, até porque ao não haver dúvidas naquilo que dizemos, passamos mais uma coisa: confiança e honestidade.

Mas, acima de tudo, a primeira pergunta que temos de fazer é: comunico para partilhar aquilo que sei ou para mostrar que sou especialista?

E reparem que não tem mal nenhum mostrar que somos especialistas em dado assunto. Muito pelo contrário. Afinal, é o nosso trabalho, foi nele que investimos milhares de horas da nossa vida. Ainda assim, há formas de o fazer, sem caírmos na tentação do ego e fugirmos da imagem do "investigador na sua torre de marfim": contem pequenos episódios sobre o vosso trabalho, sobre o vosso percurso. Sempre é uma forma mais simpática e menos vaidosa de falarem sobre o que fazem.

A minha mãe costuma dizer: “Cada um só consegue dar aquilo que realmente tem”. Se o vosso percurso profissional é realmente credível e bom, então não é preciso dourarem a pílula com palavras caras. Pois, certamente, a vossa carreira terá mais para dar do que apenas palavras armadas aos cucos.

Imagem: www.nature.com

 

2000 anos em 6 minutos

10.11.19 | Cristina Nobre Soares

Quando era miúda e tinha todos os porquês do mundo havia um programa ao fim-de-semana à tarde, o qual, através das histórias que o apresentador contava, explicava o porquê de muita coisa, mesmo aquelas que eu ainda não tinha perguntado. O apresentador, com um corte de cabelo à tigela, diziam-me, era cientista. O que eu achava tremendamente estranho, dado que já tinha a ideia feita de que os cientistas eram umas pessoas muito bizarras e distantes, metidas lá no laboratório deles, a descobrir coisas que ninguém percebia. Não eram pessoas que faziam parecer aquelas coisas, imensamente complicadas, tão fáceis que até eu as entendia.

Esse apresentador com o cabelo à tigela era o Carl Sagan e o programa era o “Cosmos”. E desconfio que também tenha contribuído para que eu escolhesse uma área de ciências.

Muitos anos mais tarde, quando dei aulas de Cartografia, passava sempre este vídeo depois de lhes perguntar: E se o perímetro da terra fosse encontrado apenas com uma vareta e um escravo? E nos 6 minutos e 40 segundos de vídeo, que demora esta história, o conhecimento atravessava mais de 2000 anos. 

 

 

 

Sabe como é que os insectos comunicam entre si?

08.11.19 | Cristina Nobre Soares

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A Elsa Borges da Silva foi aluna da primeira edição do curso “Comunicar Ciência Clara”, que decorreu no Instituto Superior de Agronomia. A Elsa é doutorada em ciências agrárias e investigadora no Centros de Estudos Florestais. Tinha como desafio, tal como os restantes alunos, escrever um texto de divulgação cientifica com cerca de 400 palavras. A Elsa escolheu este tema:

Sabe como é que os insetos comunicam entre si?

A comunicação é um processo que envolve a troca de informações entre, pelo menos, dois animais por meio de sinais e regras que ambos entendem. Este processo permite criar e interpretar mensagens, enviadas de um emissor (aquele que emite o sinal) para um recetor (aquele que recebe o sinal).

Mas, se, por exemplo, o ser humano comunica por palavras e gestos, os insetos comunicam através de sinais químicos de natureza volátil, ou seja, substâncias que circulam no ar. Estas substâncias, apesar de serem semelhantes a um perfume, são difíceis de detetar pelo nariz humano. Existem outros modos de comunicação, como por exemplo a produção de sons por parte de cigarras, gafanhotos ou grilos. No entanto, os sinais mais importantes são os sinais voláteis que permitem aos insetos encontrarem alimento, locais para pôr os ovos, parceiro para a reprodução, ou alertar para situações de perigo.

E quais são os órgãos que os insetos usam para comunicar?

A maior parte dos insectos usa as antenas, as quais funcionam como o nosso nariz. Nas antenas existem minúsculos sensores que reconhecem as substâncias químicas que se encontram no ar. Quando as antenas reconhecem um determinado tipo de substância, ou determinada quantidade dessa substância, produzem um sinal elétrico que é enviado para o cérebro. No cérebro, após a mensagem ser descodificada, desencadeia-se uma mensagem específica para um determinado músculo do animal e ocorre a resposta.

As antenas são diferentes entre machos e fêmeas. O macho tem antenas maiores e mais elaboradas do que a fêmea da mesma espécie. Esta diferença na anatomia da antena existe porque o macho tem de processar (identificar) um maior número de substâncias químicas como é o caso da feromona sexual. A feromona sexual é uma substância que a fêmea emite para que o macho (o recetor) a encontre.

Lembra-se quando falei que os insetos podem emitir alertas em situações de perigo? Isto acontece, por exemplo, no caso das formigas quando a sua vida fica em perigo. As formigas que se encontram na vizinhança libertam uma feromona de alarme para o ar e todas fogem para longe desse local. Da próxima vez que limpar um carreiro de formigas, que lhe tenha atacado o açucareiro, já sabe o que é que elas dizem entre si.

Imagem: silicon.co.uk

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