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Comunicar ciência

Um blogue sobre comunicação de ciência em linguagem clara (antigo "Estrada para Damasco")

Sabe porque é que o nosso corpo envelhece?

09.09.20 | Cristina Nobre Soares

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A Mariana Ferreira frequentou a 3ª edição do “Comunicar Ciência Clara”, no Instituto Superior de Agronomia.

 Estudou engenharia biomédica no Instituto Superior Técnico, com o objectivo de aprender a resolver problemas na área das tecnologias aplicadas à saúde. Entretanto, foi na biologia das células que encontrou os problemas mais intrigantes e está actualmente a fazer um doutoramento no Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, para perceber como é que as células funcionam, comunicam e coordenam as suas funções.

E trouxe-nos este texto, onde nos fala sobre o envelhecimento das células.

 

Certamente já teve oportunidade de observar a capacidade que a sua pele tem de crescer,  acompanhando o crescimento do seu corpo. Este processo acontece em todos os órgãos, mas é na pele, um órgão naturalmente fácil de observar, que melhor temos essa percepção. A facilidade com que a nossa pele estica quando crescemos (ou quando engordamos) e se adapta quando emagrecemos deve-se, entre outros factores, à capacidade das nossas células se multiplicarem para originar novas células com as mesmas funções.

Esta capacidade que as células têm de se dividirem muitas vezes ao longo da nossa vida é estudada pelos cientistas para compreender melhor o corpo humano e as doenças que o podem afectar.

Ao contrário do que possa estar neste momento a pensar... não, as células da nossa pele (ou quaisquer outras) não são imortais! Na verdade, o cientista Leonard Hayflick, que se dedicou ao estudo da divisão celular, fez uma observação que veio mostrar o contrário. Afinal, embora contasse que as células que mantinha em laboratório se dividiriam infinitamente, Hayflick observou com curiosidade que as células que estava a analisar só se dividiam no máximo 60 vezes!

Ora, como provavelmente estará a imaginar, isto implica que a capacidade de resposta das células é limitada. Na verdade, com o tempo algumas das nossas células ficam cansadas deste processo constante de divisão e entram no chamado estado de senescência, ou seja, tornam-se senescentes. A palavra senescência vem do termo latim “senescere”, que significa “ficar velho” e é usada pelos biólogos para descrever o envelhecimento celular. A senescência, que é uma consequência da exaustão da capacidade das nossas células de se dividirem, está na base do envelhecimento dos nossos órgãos.

Apesar deste mecanismo ter um papel importante na defesa dos nossos órgãos, pois impede o aparecimento de tumores, estas células senescentes vão-se acumulando à medida que envelhecemos. Além de deixarem de exercer as suas funções normais, estas células ocupam espaço e produzem muitos resíduos, que influenciam ainda as células vizinhas a tornarem-se também senescentes, como num efeito dominó. É por esta razão que à medida que envelhecemos os nossos órgãos começam a funcionar menos bem e a ter mais dificuldade em recuperar de lesões.

Embora o nosso sistema imunitário identifique e elimine células senescentes, algumas destas células acabam por ficar nos nossos órgãos, prejudicando as suas funções. Por isso, uma das tarefas dos cientistas que, como Hayflick, estudam a divisão celular em laboratório, é desenvolver terapias capazes de eliminar as células senescentes dos nossos órgãos. Este tipo de “limpeza”, já em fase de testes, ajuda os nossos órgãos a funcionar melhor, permitindo-nos viver com maior qualidade de vida, por exemplo, conseguindo manter a elasticidade da nossa pele à medida que envelhecemos.

Por isso, da próxima vez que notar que a sua pele já não tem a elasticidade de outros tempos... já sabe: a culpa é da senescência!

Mariana Ferreira

 

Foto: Science Photo Library

Todos os nomes das plantas: das línguas-de-sogra à planta do Sherlock Holmes

01.09.20 | Cristina Nobre Soares

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Boca-de-lobo, brinco-de-princesa, costela-de-adão, malmequer, língua-de-sogra…

Quase que adivinho que pelo menos um ou dois destes nomes vos soam familiares. Muitos dos nomes comuns das plantas são inspirados na forma (chagas-de-cristo) e na cor das flores (tremoceiro-amarelo), no uso (cipreste-dos-cemitérios), na toxicidade (figueira-do-inferno). Também há nomes associados a locais onde são abundantes (cedro-do-Buçaco), a certas particularidades (girassol, relógios) ou mesmo a sentimentos (amor-perfeito, não-te-metas).

Parece fácil, mas há muitos problemas quando atribuímos nomes vulgares às plantas. Por um lado, nem todas as plantas têm nomes comuns, por não existirem num dado país, por serem desconhecidas ou não terem interesse para as populações que lhes atribuem os nomes. Por outro lado, enquanto alguns nomes comuns das plantas são únicos, por vezes o mesmo nome é associado a espécies diferentes.

Para tornar tudo ainda mais complicado, a mesma planta também tem, com maior frequência do que o desejado, nomes diferentes consoante a região onde estamos. Chegam a ser mais de dez ou  vinte de nomes vulgares na mesma língua e outros tantos em diferentes línguas.

Conhecem aquela planta amarela com as folhas parecidas com trevos que cobre vinhas, pomares ou mesmo terras lavradas no inverno? Comem-se os caules azedos e os bolbilhos assados (caules subterrâneos), um hábito que vem da época da Segunda Grande Guerra, quando escasseavam os alimentos. É originária da África do Sul, onde é conhecida por “suring” em africânder, mas tem muitos nomes portugueses, entre eles erva-azeda-amarela, erva-praga, erva-mijona, erva-pata, santas-noites, sardinha-fresca, trevo-mau. Na Galiza é conhecida por chucha-meles e no Reino Unido é a goat's-foot ou English weed.

Era aqui que eu queria chegar - à necessidade dos nomes científicos! Os nomes científicos permitem que se atribua apenas um nome a cada espécie de planta. Estes nomes são em latim ou latinizados e começaram por ser polinomiais, que é como quem diz, com vários nomes. Nomear uma espécie era algo como Plantago foliis ovato-lanceolatus pubescentibus, spica cylindrica, scapo tereti¸ o que com certeza prejudicava o ritmo das conversas entre botânicos!

Carl Linnæus, em meados do século XVIII, formalizou a nomenclatura científica binomial das espécies utilizada nos dias de hoje, após os primeiros esforços de simplificação pelo botânico do século anterior Caspar Bauhin. Os nomes das espécies são compostos por duas partes (o género e o epíteto específico - binomial), e obedecem a um Código Internacional de Nomenclatura. Por exemplo, a nossa erva-azeda-amarela é Oxalis pes-caprae. O primeiro nome corresponde ao género - Oxalis – que significa “azedo, picante” em latim e o epíteto específico pes-caprae particulariza o género e significa “pé-de-cabra”. Oxalis remete assim ao ácido oxálico que lhe dá o sabor azedo e pes-caprae à forma de cada que constitui as folhas. Há mais de quinhentas espécies do género Oxalis, por exemplo a Oxalis purpurea conhecida por trevo-azedo-rosa é muito semelhante à erva-azeda-amarela, mas as flores são de cor púrpura.

Assim, os nomes comuns e os científicos são algo próximos na sua essência. Carregam tradições, significados, características, homenagens e até alusões culturais, penetrando na literatura e no cinema. É o caso da Begonia darthvaderiana, uma begónia com folhas negras, inspirada no vilão Darth Vader da Guerra das Estrelas. Outro exemplo recente é a planta Mandevilla sherlockii, que expressa o carácter detectivesco de taxonomistas e investigadores à semelhança do detective e botânico amador Sherlock Holmes, personagem de ficção da literatura britânica. Já a espécie gigante carnívora Nephentes attenboroughii homenageia o naturalista e comunicador David Attenborough, e a Paeonia broteri (rosa-albardeira) o botânico português contemporâneo de Linnæus, Felix Avelar Brotero.

E já agora, quando encontrarem nomes científicos com o epíteto officinalis lembrem-se que terá propriedades medicinais, que vulgaris significa comum, sativus, cultivado, edulis, comestível e pulcherrima, a mais bonita.

Francisca Aguiar

 

Foto:  Zachi Evenor