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Comunicar ciência

Um blogue sobre comunicação de ciência em linguagem clara (antigo "Estrada para Damasco")

O que têm em comum a Herbologia, as aulas de Harry Potter e a marijuana?

15.09.21 | Cristina Nobre Soares

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Num primeiro olhar, nada parece associar estes três elementos. No entanto, encontram-se ligados pela confusão de termos que se usam em Herbologia, a ciência que estuda a biologia e a gestão das ervas-daninhas ou infestantes.

Atravessando o século XXI, a informação dispersa-se a uma velocidade impressionante tal como os erros que lhes estão associados. Pensando melhor… é possível que os erros se disseminem a maior velocidade. Num estudo do MIT, Massachusetts Institute of Technology descobriu-se que a falsidade se difunde mais longe, mais rápido, mais intensamente e de forma mais abrangente que a verdade.

E é aqui que surge Harry Potter, personagem de ficção de J.K. Rowling, na sua aula de Herbology, disciplina obrigatória do curriculum de estudos da Academia Hogwarts. A autora usa utiliza a palavra herbology num sentido aproximado do correto, mas as numerosas traduções destes best-sellers, com mais de 500 milhões de cópias, e a legendagem dos filmes associados é que nem sempre o fazem.

Apesar de serem semelhantes na grafia Herbology e Herbologia não são equivalentes. Herbology refere-se ao estudo das plantas medicinais, e por isso “mágicas”, e surge ligada ao Herbalism (Herbalismo) que é o estudo da utilização dessas plantas. Assim, a Herbologia começa a surgir na linguagem comum com este imaginário de ciência ligada ao poder de cura das plantas. Isto não acontece, por exemplo, na versão francesa e espanhola do termo, em que Herbologia é Malherbologie e Malherbologia, respetivamente, por derivar de “ervas más”, as mauvaise herbes e malahierbas. Ora, mais consensuais, os portugueses não imprimiram a esta ciência uma conotação literalmente negativa e daí que, felizmente, por cá esta ciência não se ficou a designar como Ervadaninhologia ou Infestantologia.

Herbologia é equivalente na língua inglesa a Weed Science. Mas também aqui surge um outro equívoco. Weed (erva) é também sinónimo de canábis, maconha ou marijuana. Experimentem fazer esta ingénua pesquisa on-line num qualquer motor de busca: weed. Vão encontrar centenas de milhões de páginas, das quais penso que a maioria se refere às espécies do género Cannabis, plantas com propriedades psicoativas e medicinais. Inclusive há também quem se aproprie do termo Weed Science como ciência que estuda a canábis.

Considera-se que as infestantes existem desde que apareceu a agricultura, há cerca de 10 000 anos, mas a origem do termo weed não é clara. Vários autores referem o século IX como a primeira vez que a palavra surge usada por frísios, fenícios e anglo-saxónicos, outros referem raízes asiáticas ou germânicas. E ainda como sendo fruto de um acidente de oralidade no uso de woad, uma planta herbácea designada entre nós por pastel-dos-tintureiros (Isatis tinctoria). Apesar da necessidade de gestão de infestantes fundamentada na investigação, a Herbologia enquanto ciência é ainda jovem, com origem no século passado.

Desfeitos os equívocos linguísticos, esperemos que encontrem a Herbologia no seu devido lugar, que sabemos ser menos mágico que a Herbology de Hogwarts, menos apreciado que o Herbalismo e as plantas medicinais, mas seguramente imprescindível para o nosso bem-estar e para a saúde dos ecossistemas.

 Francisca Aguiar é doutorada em Engenharia Florestal, Professora do Instituto Superior de Agronomia (ISA) da Universidade de Lisboa e Investigadora no Centro de Estudos Florestais, também do ISA 

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