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Comunicar ciência

Um blogue sobre comunicação de ciência em linguagem clara (antigo "Estrada para Damasco")

Todos os nomes das plantas: das línguas-de-sogra à planta do Sherlock Holmes

01.09.20 | Cristina Nobre Soares

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Boca-de-lobo, brinco-de-princesa, costela-de-adão, malmequer, língua-de-sogra…

Quase que adivinho que pelo menos um ou dois destes nomes vos soam familiares. Muitos dos nomes comuns das plantas são inspirados na forma (chagas-de-cristo) e na cor das flores (tremoceiro-amarelo), no uso (cipreste-dos-cemitérios), na toxicidade (figueira-do-inferno). Também há nomes associados a locais onde são abundantes (cedro-do-Buçaco), a certas particularidades (girassol, relógios) ou mesmo a sentimentos (amor-perfeito, não-te-metas).

Parece fácil, mas há muitos problemas quando atribuímos nomes vulgares às plantas. Por um lado, nem todas as plantas têm nomes comuns, por não existirem num dado país, por serem desconhecidas ou não terem interesse para as populações que lhes atribuem os nomes. Por outro lado, enquanto alguns nomes comuns das plantas são únicos, por vezes o mesmo nome é associado a espécies diferentes.

Para tornar tudo ainda mais complicado, a mesma planta também tem, com maior frequência do que o desejado, nomes diferentes consoante a região onde estamos. Chegam a ser mais de dez ou  vinte de nomes vulgares na mesma língua e outros tantos em diferentes línguas.

Conhecem aquela planta amarela com as folhas parecidas com trevos que cobre vinhas, pomares ou mesmo terras lavradas no inverno? Comem-se os caules azedos e os bolbilhos assados (caules subterrâneos), um hábito que vem da época da Segunda Grande Guerra, quando escasseavam os alimentos. É originária da África do Sul, onde é conhecida por “suring” em africânder, mas tem muitos nomes portugueses, entre eles erva-azeda-amarela, erva-praga, erva-mijona, erva-pata, santas-noites, sardinha-fresca, trevo-mau. Na Galiza é conhecida por chucha-meles e no Reino Unido é a goat's-foot ou English weed.

Era aqui que eu queria chegar - à necessidade dos nomes científicos! Os nomes científicos permitem que se atribua apenas um nome a cada espécie de planta. Estes nomes são em latim ou latinizados e começaram por ser polinomiais, que é como quem diz, com vários nomes. Nomear uma espécie era algo como Plantago foliis ovato-lanceolatus pubescentibus, spica cylindrica, scapo tereti¸ o que com certeza prejudicava o ritmo das conversas entre botânicos!

Carl Linnæus, em meados do século XVIII, formalizou a nomenclatura científica binomial das espécies utilizada nos dias de hoje, após os primeiros esforços de simplificação pelo botânico do século anterior Caspar Bauhin. Os nomes das espécies são compostos por duas partes (o género e o epíteto específico - binomial), e obedecem a um Código Internacional de Nomenclatura. Por exemplo, a nossa erva-azeda-amarela é Oxalis pes-caprae. O primeiro nome corresponde ao género - Oxalis – que significa “azedo, picante” em latim e o epíteto específico pes-caprae particulariza o género e significa “pé-de-cabra”. Oxalis remete assim ao ácido oxálico que lhe dá o sabor azedo e pes-caprae à forma de cada que constitui as folhas. Há mais de quinhentas espécies do género Oxalis, por exemplo a Oxalis purpurea conhecida por trevo-azedo-rosa é muito semelhante à erva-azeda-amarela, mas as flores são de cor púrpura.

Assim, os nomes comuns e os científicos são algo próximos na sua essência. Carregam tradições, significados, características, homenagens e até alusões culturais, penetrando na literatura e no cinema. É o caso da Begonia darthvaderiana, uma begónia com folhas negras, inspirada no vilão Darth Vader da Guerra das Estrelas. Outro exemplo recente é a planta Mandevilla sherlockii, que expressa o carácter detectivesco de taxonomistas e investigadores à semelhança do detective e botânico amador Sherlock Holmes, personagem de ficção da literatura britânica. Já a espécie gigante carnívora Nephentes attenboroughii homenageia o naturalista e comunicador David Attenborough, e a Paeonia broteri (rosa-albardeira) o botânico português contemporâneo de Linnæus, Felix Avelar Brotero.

E já agora, quando encontrarem nomes científicos com o epíteto officinalis lembrem-se que terá propriedades medicinais, que vulgaris significa comum, sativus, cultivado, edulis, comestível e pulcherrima, a mais bonita.

Francisca Aguiar

 

Foto:  Zachi Evenor

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